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Artigo: Falando de Chico Miguel
A menina pelo jegue
Em 09/08/2023 por Redação

(Foto: Reprodução)

 

Por Tony Borges

Nos idos anos 80, li uma crônica do festejado escritor, romancista, ensaísta, crítico literário, tradutor... Francisco Miguel de Moura, membro da Academia Piauiense de Letras, que  externava o drama comovente de uma família de retirantes cearenses que fugia da seca estrema do semiárido, rumo  aos verdejantes campos maranhenses, na perspectiva de sobrevivência.

Narrava o escritor em sua crônica (e aqui antecipo minhas escusas a eventuais esquecimentos e incorreções de memória, pelo decurso do tempo) que ainda residia com seus pais no antigo Jenipapeiro (atual Francisco Santos), numa época em que os retirantes nordestinos utilizavam os leitos secos dos rios temporários como estradas para acessar as regiões mais chuvosas, notadamente o sul do Piauí, o Maranhão e o Pará, quando aportou ao terreiro de sua casa, através do Riachão seco, uma família de retirantes, faminta e exausta, pedindo rancho para pernoitar. Eram, salvo engano, um casal e três crianças, sendo a menorzinha carregada nos braços magros da mãe, ainda dependente do leite escasso.
 
O homem, de compleição física enrustida pela rigidez do sol inclemente, carregava no ombro o saco de estopa contendo alguns utensílios domésticos de menor volume e outros objetos úteis à longa e árdua travessia. A mulher, por sua vez, equilibrava uma trouxa com alguns trapos e outros pertences na cabeça, além de uma criança ao braço e outra puxada pela mão...

É sempre triste relembrar o drama da seca, tema este denunciado e muito bem retratado em obras primas da literatura brasileira, como “O Quinze”, da cearense Raquel de Queiroz, “Vidas Secas”, do alagoano Graciliano Ramos e “A Bagaceira”, do paraibano José Américo de Almeida, só para destacar alguns.

Mas, voltando à crônica de Chico Miguel, publicada no jornal O Dia, da época, um fato tornou o drama dessa família ainda mais comovente: pela manhã, ao despedir-se do dono da casa onde pernoitou – no caso, o pai do escritor Francisco Miguel de Moura – o retirante, na persistência de chegar ao destino por ele traçado, propôs deixar para trás uma de suas filhas, de aproximadamente 7 anos, em troca de um jumento que havia no terreiro da casa grande, a fim se seguir a jornada com maior comodidade. Nesse caso, a mulher iria montar o animal, carregando a filha pequena nos braços, além dos outros pertences, que podiam ir amarrados ao cabeçote da cangalha. O homem e o menino mais velho da prole, seguiriam a pé, mas já seria um alívio e uma expectativa maior de se chegar às terras maranhenses, onde a chuva certa e intensa era sinônimo de fartura.

Relembro, com saudade, essa publicação do escritor Francisco Miguel de Moura, lá dos longínquos anos 80, como algo que li e que serve até os dias atuais como ilustração quando se fala do recorrente drama da seca no semiárido nordestino, nosso amado torrão.

Há alguns anos atrás, a convite do escritor Ozildo Batista de Barros, subi ao morro da Aerolândia, em Picos, para jantar com o famoso literato piauiense em uma de suas breves passagens por sua cidade, já que em sua infância o Jenipapeiro integrava a área territorial do município de Picos. Bem, mas o fato é que eu esperava, ansioso, pra ouvir o ícone da literatura piauiense se expressar livremente entre amigos e admiradores. Mas, para minha tristeza, naquela ocasião Francisco Miguel de Moura ficou silente e, estático, preferiu apenas apreciar a vista noturna da cidade, no cume do morro.

Hoje, do alto de seus 90 anos de aprendizado e experiência, com diversas obras formidáveis publicadas, Francisco Miguel de Moura inspira seguidores aos montes!


Tony Borges é jornalista, bacharel em Direito e ex-prefeito do município de Geminiano

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